Há um ano e meio, o mercado aguarda o surgimento de um produto para ser
chamado de “iPad Killer”, ou seja, que seja capaz de oferecer verdadeira
competição ao tablet da Apple, o iPad, lançado em março de 2010.
A
expectativa dos consumidores é que, com uma concorrência efetiva, a
empresa finalmente baixe seus preços. Nesta quinta-feira, outra gigante
americana, a Amazon, forneceu uma esperança ao anunciar com estardalhaço
seu novo tablet, o Kindle Fire.
Uma análise mais detalhada, contudo, revela que não será desta vez
que a companhia fundada por Steve Jobs virá seu mercado realmente
ameaçado. O mesmo não se pode dizer, entretanto, das diversas
fabricantes que oferecem tablets que rodam o sistema operacional do
Google, o Android.
O Fire, lançado nesta quarta-feira, é
uma versão modernizada dos primeiros Kindles – pequenos aparelhos cuja
principal função é permitir uma leitura confortável de livros digitais. O
lançamento da Amazon traz inovações para essa linha de produtos, como a
tela sensível ao toque, a memória de 8 gigabytes e o sistema
operacional Android. Porém, a aposta do sucesso do novo aparelho não
está na tecnologia de seu hardware, em que os rivais ganham disparado,
mas sim na oferta de conteúdo e serviços.
Experiência Amazon
- O Kindle Fire foi todo pensado para potencializar a “experiência
Amazon” do usuário. Isso significa que, com um dispositivo barato (199
dólares, 60% a menos que o iPad mais em conta), a Amazon dará acesso ao
comprador do Fire a um sistema integrado: loja virtual de aplicativos;
conteúdos próprios e de parceiros, como livros digitais, filmes,
músicas, etc; além de seu serviço de computação em nuvem, o Amazon Cloud
Drive.
O comprador passa a ter, portanto, num só
dispositivo, conteúdo e computação em nuvem de um único provedor, com
marca respeitada e conhecida. Esse modelo – que oferece todo um meio
ambiente de trabalho, informação e diversão ao usuário – é parecido com o
da Apple, que, em seus tablets e smartphones, fornece aos clientes a
famosa linha do prefixo ‘i’: iTunes, iCloud, iBooks, iPhoto, iMovie,
iWork, etc.
A Apple, no entanto, deverá ser pouco
incomodada pelo novo Fire. É que a empresa tem o diferencial de
trabalhar apenas com “máquinas matadoras”, com visual bem acabado,
hardware poderoso, sistema operacional estável, entre outros atributos
reconhecidos pelo mercado. E tudo isso sai caro. Mesmo assim,
dificilmente seu público, que se mostra disposto a pagar muitos dólares a
mais para “ser Apple”, mudará para uma plataforma mais simples.
Aos fãs da empresa, a boa notícia é que ela deve ficar atenta a melhorar
ainda mais sua oferta de conteúdo, pois, nesse terreno, a Amazon pode
vir a incomodar – mesmo com seus aparelhos “básicos”. “Apple e Amazon
conduzem as estratégias de mercado. Nunca aconteceu de a Apple baixar
preços. Mas, com a chegada do Fire, a concorrência deve se acirrar,
especialmente no campo dos conteúdos”, apontou Marcelo Marzola,
presidente da Predicta Consultoria.
O impacto da entrada desse novo competidor no mercado, afirmam
analistas, será sentido em maior escala por outros fabricantes de
tablets que, assim como o Kindle Fire, usam o sistema Android, como
Motorola, Samsung, Lenovo e Toshiba. Essas marcas serão forçadas a se
reposicionar no mercado, tanto em preço quanto em conteúdo e experiência
ao consumidor.
Básico sim, limitado não - O Fire não veio
para brigar em hardware – o que é meio óbvio quando se olha detidamente
para a pobreza de recursos do aparelho. Não há câmera, nem microfone.
Não existe suporte para internet 3G, apenas conexão Wi-Fi. Em
compensação, o preço é superagressivo e a relação custo/benefício salta
aos olhos. O tablet nasce integrado a todo o sistema Amazon, além de dar
acesso ao conteúdo de grandes parceiros, como o canal de notícias Fox, a
gravadora EMI, e os estúdios Universal e Warner.
Além
disso, o sistema operacional Android despertará facilmente o interesse
de desenvolvedores de aplicativos, haja vista sua grande aceitação. “Não
há interesse deles em vender recursos que não expandam a ‘experiência
Amazon’, como uma chamada em vídeo. Eles foram cuidadosos em oferecer
maneiras que facilitem o consumo de seus conteúdos de livros, músicas e
vídeos”, explica a analista de pesquisa em consumo da consultoria
Gartner, Carolina Milanesi.
Nesse sentido, não era
interessante, para a Amazon, desenvolver um dispositivo cheio de
recursos, mas que saísse caro. “Eles têm feito diversas parcerias com
provedores de conteúdos nos últimos anos. E é dessa fonte que os lucros
virão. Eles querem muito mais expandir a oferta de conteúdo e serviços
que entrar na briga de hardware”, explica Martim Juacida, analista da
consultoria IDC.
Todos pelo conteúdo - A cartada da Amazon
deve fazer com que ganhe vigor a marcha do mercado rumo ao
fortalecimento de seus sistemas e à oferta de conteúdo. “Quem mais vai
sofrer com esse lançamento são os fabricantes com menor participação no
mercado, que têm menos poder de barganha para ter conteúdo diferenciado e
desenvolver aplicativos”, avalia. A Apple, por ora, seguirá com sua
bem-sucedida estratégia e deverá passar ao largo da tentação de baixar
preço – isso seria, inclusive, inédito em sua história.
Outro
ponto que agradava a alguns usuários nos primeiros Kindles era tela
fosca, em preto e branco, que não cansa os olhos – algo que, para o
exercício da leitura num dispositivo móvel, é um ponto importante.
Apesar de o Fire possuir tela brilhante, a Amazon tomou o cuidado de não
abandonar por completo os modelos com visual antigo.
Eles
continuam, mas foram atualizados para a versão touch screen. “A Amazon
tinha até então um aparelho com uma aplicação única, que era a de ler
livros, enquanto os concorrentes ofereciam mais. Só que, em seu caso,
oferecer um produto é oferecer mais possibilidades de vendas em sua loja
virtual”, apontou Marcelo Zuffo, professor do Departamento de
Engenharia de Sistemas Eletrônicos da Escola Politécnica da USP.
Strong
in content, but only in English - Por enquanto, essa movimentação será
sentida mais fortemente nos Estados Unidos, e talvez em outros países
com população que fale inglês. É que a Amazon é muito forte em conteúdo,
mas apenas nesse idioma. A oferta de livros, músicas, filmes, etc, em
outras línguas continua incipiente, e a companhia tem empenhado esforços
ao redor do mundo para corrigir esta deficiência.
A
empresa já está em negociação com editoras para lançar livros virtuais
em espanhol, francês, alemão e até em português para, assim, expandir as
vendas de seu leitor digital. A Amazon acabou de inaugurar uma loja na
Espanha, mas o consumidor local que quiser comprar o Kindle será
direcionado à página americana. Na França, é recente a venda de livros
digitais em inglês, mas já se fala em parcerias com editoras para venda
de títulos em francês.
No Brasil, a Amazon vem, há alguns
meses, conversando com as editoras locais, como Record, Ediouro e
Objetiva, com o mesmo intuito, mas ainda não houve grande progresso.
Conversas de bastidores apontam que o aparelho, que deve alcançar o
índice de 17,5 milhões de usuários no mundo este ano, poderia chegar ao
Brasil ao custo de 250 reais.
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